Já dizia o Hemingway de Woody Allen que se reconhece o verdadeiro amor quando, estando com ele, se perde o medo da morte. Eu sempre tive medo da morte, muito medo e, exatamente pelo terrível incômodo que é viver com medo, tentei diversos consolos para me dizer que estava tudo bem. Só conseguia perder totalmente o medo quando eu pensava que eu não morreria sozinha. O que importa - o que realmente importa - não é conseguir escapar de todas as infelicidades, é ter a menor quantidade possível delas, sim, mas estar preparado para quando elas surgirem. E essa preparação envolve nada mais do que encontrar um corpo (corpos) nos quais se apoiar. Porque o contato dá segurança e faz ficar tudo bem. Assim, nessa época eu senti exatamente o que dizia Hemingway (o do filme).
No entanto, algo me impediu de concordar com a frase, agora. Quando me veio à mente aquela reiterada cena de conforto, meu medo triplicou. Eu achei - e agora tenho - eu achei, afinal, as pessoas que preenchem definitivamente os lugares da cena hipotética. Antes havia uma teia de suposições, com alguns lugares (secundários) preenchidos. Mas agora, agora tudo tem um eixo em torno do qual girar. Agora tudo tem um sentido, um objetivo, uma rota. E assim, desse jeito tão seguro, tão certo, tão promissor, dá muito medo. Eu tenho tudo agora e exatamente por isso tenho medo de não ter mais. Por mais reconfortante que seja ter tudo comigo na hora que eu for morrer, como é que eu vou conseguir abandonar tudo? Como eu vou conseguir abandoná-la?
É como aprender o segredo milenar da vida e ter que desaprendê-lo; como poder comer doce todo dia e depois não poder mais; como ser apresentado a músicas maravilhosas e não poder ouvi-las; como ficar cego, surdo, mudo depois de passar anos vendo, ouvindo e cantando. E é assim, e é por isso que eu tenho medo e é por isso que dói. Dói muito. E é por isso que não é leviano.