sábado, 30 de outubro de 2010

A doce ruivinha cacheada espichava e se ria atrás do boné verde do castanhinho que escalava o baobá. Os dois singelavam a vida por horas, juntos, todos os dias, imaginando, em seu mundo de caramelo-chocolate-biscoito-de-baunilha, que se teriam assim, um ao outro, para todo o sempre. Eram amigos, simples assim. Os laços da amizade são tênues teias psicologicamente recíprocas-ou-não. 
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Ele lhe disse que a amava um dia, muitas primaveras depois, e ela começou a costurar o fio intangível que os unia, com diversas linhas multicoloridas com cheiro de calda de açúcar.Os subjetivos caminhos mentais são frágeis relatividades comestíveis; mas ela insistia na sua busca por alguém que lhe dissesse sem motivo "não se preocupe, não vou a lugar algum".
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Demorou para fazer efeito a dose de "eu te amo" tomada de bom grado, com uma pitada de pimenta e milhares de gotas de ilusão. Os efeitos colaterais não previstos pela bula foram o desaparecimento imediato do castanho e um bebê. 
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Com a vida destrambelhada, a fadiga intrínseca e o dinheiro escasso, o bebê começou a enrolar em si, com palitinhos de comida japonesa, o fio colorido arrebentado. Os laços maternos são biologicamente recíprocos, infinitos desde o antes para todo o depois.
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E como uma verdade atemporal axiomática, a espera e a decepção se compensaram pelo doce som espichado de "mãe", que se repetia confortavelmente, como uma fabulosa concretude infinita.
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Os seres humanos necessitam da certeza da posse.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Reparei que ouvir músicas que repetem um mesmo tema interessante me agrada. Aquelas músicas que encontraram um riff gostoso e que não têm medo de usá-lo por toda a sua extensão; ou que se constroem a partir daquela mesma batida ritmicamente confortável.
Eu gosto dessa repetição, a cada nova vez que o riff é repetido, meus ouvidos o pedem mais e mais e mais e mais e mais e mais. 
Esse tipo de música é reconfortante, pois parece que vai durar para sempre. Ouvi-las é quase como vivenciar a felicidade interminável por uns 2 ou 3 minutos. É um ilusório ciclo aonde se pode agarrar a felicidade uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete... vezes. É muita felicidade, é bom.

Experimentem - não se contenham, peçam a felicidade, entrem no ritmo e deixem-no tocar: 



Tão reconfortante, não?

domingo, 24 de outubro de 2010

Exercício de sinestesia:

Bola - lichia
Abajour - aspargos com queijo
Cadeira - bolacha de queijo parmesão
Papel - algodão-doce
Urso - pão de mel
Violão - caixa de papelão
Grama - sorbet
Telefone - macarrão cru
Jeans - alga
Relógio - canudinho com Io-Io Cream
Almofada -  gelatina de morango




Vida - muito cedo para dizer.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Quero pensar que tudo o que acontece é importante em si, não por comparação. Gostaria também de acreditar que tudo o que eu sinto é exatamente o que eu sinto, sem segundas interpretações e sem relação com generalizações acerca das minhas ações e do meu caráter intrínseco.
É difícil viver numa montanha russa de queijo suíço, onde um dia é sem sal; o seguinte, hiper-picante; o próximo, dulcíssimo; o outro, cru; e o outro ainda, doce-amargo. É como se todos eles tivessem um mesmo ingrediente secreto como mote. É como se eles fizessem parte de um mesmo paradigma, cujo elemento de unidade fosse uma pegadinha proposta pela vida, de difícil resolução.
É um quebra-cabeça em que cada peça queima na mão, mas deve ser segurada e encaixada no conjunto.
Não entendo mais nada à medida em que começo a suspeitar das linhas gerais. Eu não quero uma peripécia com início, meio e fim; quero uma narrativa Tchekhoviana, Woolfiana, em que cada momento é uma história em si, contada e vivida mais intensamente do que todo o conjunto de uma vida; sem sentido geral, mas com muita intensidade e talvez até, quem sabe, espasmos de felicidade.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Proponho hoje que paremos de pensar por cinco minutos e sintamos como se não houvesse sociedade.

domingo, 17 de outubro de 2010

Vou ao canto de mata que encontro entre os concretos. Farejo e acho. Tem o tronco belamente tortuoso, com curvas esplendidamente sensuais e lisas. Tiro minha serra elétrica de bolso do blusão e arranco-lhe a vida, como se arrancasse um fio de cabelo branco da cabeça de um jovem. Ponho-a nos ombros, readentro a civilização e a levo para a oficina. Abro minha caixa de ferramentas e passo horas a moldá-la, dando-lhe a forma de uma mulher. Retiro-lhe o topo da cabeça com um facão e lhe arranco os miolos lenhosos. Com o mesmo facão abro meu cocoruto e lhe dou metade de meu cérebro, devolvendo-lhe a tampa da cabeça em seguida. Passo a viver em paz, com uma projeção de madeira que me compreende, e com metade de meus problemas exteriorizada.

sábado, 16 de outubro de 2010

Eu vi a vida de cima: ela é cinza. Lá em cima, entretanto, é tudo colorido, musical e relaxante. O que é lá em cima? Simplesmente é. É de outro jeito do que é aqui, da perspectiva normal. É de um jeito mais. Dá vontade de gritar. Deu vontade de pular.
Eu queria voar, planar sobre as casas, sobre o mar, sobre os carros. Ter o controle sobre o meu mundo,  controlar seu tamanho, escolher a vista, escolher o quem e o quando. E o como.
Escolha. É um conceito forte e indefinido. A partir de quando o dever é obrigação e a partir de quando o dever é pura escolha. Sou vencida pela escolha do cansaço, mas em minha mente tento escolher o outro lado. 
O que tem do outro lado? Quem sabe. É negro, não consigo enxergar. Eu sei que devo, mas eu quero?
Quero.



Subi num teleférico. E tudo o que eu queria era nunca mais descer.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Decidi que devo começar um diário. Nunca realmente entendi a validade dos diários, por que as pessoas se dedicavam tanto a uma folha de papel por dia. Agora não só o entendo, como dele necessito.
Os grandes autores sempre o fizeram: jogar pensamentos atormentadores no papel aleatoriamente. Não digo que eu seja uma grande autora, longe disso. O que digo é que talvez me identifique com vários deles no sentido de precisar de uma válvula de escape para o que cresce dentro de mim. Não farei a conexão entre uma vida e uma árvore morta com tamanha maestria e disso tenho plena consciência; mas o que pode não fazer tão bem aos outros me fará um bem absurdo. É bom pensar no próprio bem uma vez ou outra.

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Descobri que preciso da dor. Preciso da dor para entrar no fundo de mim mesma e sentir-me simplesmente em minha dimensão mais primitiva e irracional. Preciso sentir a vida, e não há melhor meio de trazê-la à tona do que não chegar à morte por um triz. Não à morte como categoria absoluta, mas à morte mental, à explosão de pensamentos sem nexo, à total estranheza do próprio ser, ao irreconhecimento, ao novo, ao outro, ao tudo. A experiência é como cair num precipício sem fundo e continuar caindo. O peito vai inflando, as lágrimas se implicitam na existência, não há tempo outro do que o de toda uma redefinição mental da própria vida. 
Eu busco esse estado, entretanto. Por quê?! Porque me sinto vazia. Me sinto inútil e sem propósito quando tudo está limpo e resolvido. Por isso busco com o que me ocupar, se não atividades várias, pensamentos, questionamentos. 
Não os crio, simplesmente os busco e, buscando com afinco, encontro-os dentro de mim mesma. Os problemas. As dúvidas. A dor.
E me descubro cada vez mais aquilo que nunca pensei ser. É difícil ser algo que se desconhece, dói cada minuto de cada hora de cada dia. Mas é revitalizante.

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Minha vida é um paradoxo. Por isso preciso escrever.
É estranho que quanto mais a vida parece estar se alinhando com o caminho previsível da planta-do-destino previamente concebida em duas dimensões, mais você parece, paradoxalmente, ser o outro daquilo que sempre pensou ser. Só o que fica é o caráter, todo o resto parece ser redimensionado e relativizado, e, de um outro ponto de vista, o mundo se apresenta como desconhecido. Os preceitos básicos decorados para pertencer à raça humana como sociedade têm que ser subitamente reaprendidos, e podem te levar ao lugar marginal ingenuamente aspirado na adolescência e nunca alcançado. Viver na marginalidade fora dessa faixa etária não é "cool", exige muita responsabilidade, uma boa estrutura óssea, e uma bela dose de frieza racional. Se eu preenchesse os requisitos por que estaria despejando essa carga pessoal em lugares alheios do universo esperando uma resposta ao questionamento que me tira o sono?
Me sinto numa reviravolta aristotélica em andamento.