segunda-feira, 23 de maio de 2011

Quando vem um enorme ataque de sensibilização - por causa de algum grande acontecimento chocante que se enquadre nas categorias coletivas ou pessoais de classificação como um grande acontecimento chocante - é como se o corpo passasse por um ralador de carne super-dimensionado que tirasse uma das camadas de pele de todo o corpo. E assim, é perdida a maior das membranas de frieza que se recebe da vida para enfrentar o mundo. O mundo muda mais conforme a maior perda de camadas, porque o ser vai se tornando permeável, e o mundo nunca deixou de ser invasivo.
Eu adquiri um mecanismo de radar visual, maior capacidade de reconhecimento tonal auditivo, acuidade gustativa, hipersensibilidade olfativa. E, principalmente - porque a pele vai ficando mais e mais fina -, adquiri uma capacidade sobre-humana quase como aquela que os cegos têm de saber pelo tato. Eu sei, e quero saber pelo tato, e enxergar de olhos fechados a mudança de texturas e alturas e calor e com isso saber a diferença do que deveria ser certo e do que se devia considerar errado. E tatear para casa, só para sentir por contraste a incrível maciez aveludada daquela que eu chamo de minha casa.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Relato (que se propõe desvio) de um sentimento banalizado

É uma tênue rede emaranhada de nós de crueza - da chapada crueza férrea da dor física - e da mais etérea satisfação, que, entretanto, preenche-se de carne e materialidade e palpabilidade - é tão plenamente ingerível!
É a intromissão no nó onde se entrevê a briga íntima entre o querer e o precisar - que não passa de um querer recalcado pela capa arbitrária do cotidiano raso do primitivismo existencial. É uma briga de quereres, que dói pela imposição de que se aceite que aquele - mundano, ultrapassado, tradicional - querer é o que, no fundo, se quer mais. É - vem sendo - o que sempre se quis organicamente mais - mas agora dói, com essa introdução melodiosa e escorregadia desse asfixiante ascendente querer de êxtase.
É frágil, tão frágil. Querer acariciar o brilho da água com um fio de veludo, sem que os dois sequer se sintam, para evitar toda e qualquer possibilidade de retirada de umidade e rigidez.
Cada mínima projeção de interferência - que milimetricamente não passa de um vislumbre de um milésimo de milésimo de segundo - cai como a segredada pós-contemporaneidade bélica.
Absurdo. Cria-se uma relativização da importância da própria vida. Elevação da corporeidade exterior como a máxima e única categoria de vida.
Sublimação. Nu e descomplexificado encontro com a significação - como fazer hemodiálise com o leite materno do lirismo.