domingo, 25 de dezembro de 2011

De repente eu sinto que ficar sozinha dá muito medo. Quanto mais eu cresci mais medo eu tive. Mais medo eu tenho, e mais medo e mais medo. E me dizem que isso está errado, e que eu estou doente, e que eu preciso de ajuda. Eu não entendo como eles não têm medo. O mundo social é horrificante. A lógica desse mundo mata. A lógica natural também mata, também é petrificantemente cruel e também não faz o mínimo sentido; mas é tão bela no caminho. Eu vejo a beleza, o mundo é lindo. Mas ele não é lindo o tempo todo, e quando não é lindo, doi. Eu não acho que as pessoas sintam a palavra dor em todas as suas pontas. Parece que eu lanço agulhas ao enunciar: dor. Mas a acupuntura dos que me escutam é como se eu fosse perfurada por uma caverna que se fecha de um bocejo com seus dentes de calcário. E doi. E quando eu peço ajuda, eles não me entendem, e eu não entendo como é viver sem essa dor. Como é não entender essa dor. E não sabem me explicar, porque para eles é simplesmente a vida. Então estou doente. Então preciso de cura. Eu só queria saber por quê. Eu só queria saber por que é impossível ser tão palpavelmente lindo o tempo todo. Eu só queria saber por que é tão errado precisar de acolhimento o tempo todo.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Andei pensando: talvez eu nunca entenda como é ser mulher. No sentido clássico do gênero, a mulher que usa maquiagem, roupas femininas e pensa como mulher. E quer o que a mulher quer. Eu nem sei o que a Mulher quer - mulher com M maiúsculo pleonástico e com artigo definidor. Eu sou uma mulher, obviamente, mas não penso como mulher. Obviamente também não penso como homem e passo ainda mais longe de sê-lo.
Não é à toa que a sociedade me estranha. Sou descategorizada.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

É como fome. Doi sentir, mas se comemos demais, passamos muito tempo precisando ficar sem comer. Porque, apesar de tudo, é muito melhor comer quando se tem fome.

domingo, 20 de novembro de 2011

Eu quero mais tempo para ler. A frustração da minha vida é que tenho que cumprir deveres acadêmicos e não tenho tempo para a vida prática do trabalho ($$) e nem para o estudo autônomo. Me conforto pensando que, daqui a três (espero) anos, quando eu me formar, poderei passar um ano da minha vida tirando o atraso das leituras (já que eu "economizei" o/os anos do cursinho que eu não fiz). Por outro lado, conto os dias até a minha formatura para que possa entrar o mais cedo possível no mercado de trabalho para ser independente financeiramente e morar sozinha com quem, como e podendo fazer o que eu quiser. Podendo fazer o que eu quiser? - mas e o tempo para poder fazer o que eu quiser?
É aí que o meu cérebro colapsa. E eu vejo que a única solução para a plenitude da vida humana no mundo capitalista é fazer parte da nobreza ($$).
Então eu fico apática e volto às minhas obrigações cotidianas, porque o tempo urge.
Tem uma moça do passado. O que eu sei sobre essa moça do passado? Sei o que sabia quando ela ainda existia: que tem um corpo bonito, um sorriso bonito e um canto bonito. Sei a cena, como rebobinar a fita e rever rever rever. O que eu sei sobre aquela moça é a vida que eu inventei para ela. Ela pode ser como eu quero que seja - porque é indefinida, é um mistério. Para mim, ela é o que eu quero que seja.
Eu quero ser feliz com essa moça. E ela me faz feliz exatamente como quero.
Tem a moça que eu sei. E esta não é maleável como aquela. Esta é fixa. Ela é também corpo bonito, sorriso bonito, canto bonito. Mas é corpo bonito, sorriso bonito, canto bonito, e tristeza, angústia, e cansaço. Ela é o mistério sempre na iminência de tornar-se vida. Mas vida que sai da vida mesma, que se auto-alimenta e sustenta. Sem precisar de um toque meu. E uma vez que vira vida, vira real. E nesse ponto é difícil interferir.
Mas há um jeito de escolher, e essa etapa é a mais importante. Há a escolha: entre o sim e o não.
Pode-se escolher que seja corpo bonito, sorriso bonito, canto bonito, tristeza bonita, angústia bonita e cansaço bonito.
Ou corpo feio, sorriso feio, canto feio, tristeza feia, angústia feia, cansaço feio.
A primeira opção é vista como ludibrio, e a segunda opção como a verdade, como a caca orgânica sob o nariz plástico. Mas a caca é plástico, e o plástico é orgânico. Quem crê nisso, vive o plástico e não consegue sair de cima dele. Nadam na superfície por não ser pontudos para perfurar o plástico. São esféricos, unos pela tensão superficial que sustentam. São o que há de mais forte, e de mais fraco. Vivendo o real pelo real, a vida pelo real. É tudo crueza. O que é.
Enquanto se pode viver o não (ou não viver - é questionável), pode-se também, de outro modo, optar pela primeira opção. Crédulos. Teimam em sempre dar chances à moça. Costumam crer que moça é sempre felicidade, e que devem ser sempre felicidade para a moça. Incutem-lhe uma aura, e a sustentam para que ela os sustente quando precisarem. São a caca orgânica, aquela que vive o real pela vida e a vida pela vida. Embelezamento mental.
Não questiono aqui modos de vida de outrem. Longe de mim. Longe da moça.
Devo contar que ainda vivo com a moça. A moça do passado - ainda vive em mim. Só que não mais darei um futuro a essa moça. Não mais darei à moça ordens de comportamento. Sem elas, ela é puro momento, sem chances de adaptação. É estática, é o que foi.
Mas eu gosto. O que foi me agrada. O que foi é bom para o coração.
E depois? Que fazer com a vida ainda por vir?
Aceito a moça que sei. Aceito-a em sua verdade interna, para mim o imprevisível e imutável. Aceito encaixar-me em suas brechas - a faço delas a minha vida. E me injeto eu em suas brechas: para que eu também torne-me imprevisível e imutável para a moça, para que possa também saber-me e aceitar-me.
A moça que sei pode surpreender-me. A moça do passado não me faz surpresas, porque tudo que faz é porque quero. Eu sei o que vai fazer antes que faça - talvez nem faça, exatamente porque me contento com saber que fará. E isso é rotina - é a rotina como quero, mas tudo sempre partindo de mim o tempo todo!
Essa moça do passado, essa moça é eu. Se eu quisesse estar comigo - melhor que ficasse sozinha.
A moça que sei é nova, é diferente, é instável, é intrigante, é viva. Tem corpo.
A moça que sei me quer. A moça que sei, essa moça - é minha moça. E é exatamente assim que eu quero que seja.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

"A felicidade é o rumo ao abismo".

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A "hora perigosa", como sintetizou Clarice. Eu me espanto com os tantos que não entendem o conceito. Eu compreendo, é estranho que tenhamos que dar um salto para além da existência para senti-la como existência. O homem é relatividade sobre relatividade - eu sou o outro, que se faz pelo outro, que se inspirou no outro, mas como todos esses outros nunca foram eus? É tantas dimensões e, sendo tantas e tantas camadas, o homem é incapaz de viver sua dimensão humana. Nós não existimos. Nós existimos porque nos dizem que existimos e a partir daí devemos nos desenrolar naquilo que recebemos no nascimento. Mas não sentimos a existência ardendo, o corpo crescendo, a vida sendo. 
Olhamos para a multidão, e vemos movimento. Assim como se vê movimento na televisão. Ela não morre, nós nela não morremos - só nossos personagens. Assim é na vida. Fulano morreu, se machucou, perdeu o dedo e fim, mas ele era só um figurante.
A morte precisa vir para cima. E quando apaga tudo e nos torna incapazes, somos obrigados a viver para sobreviver. E não aproveitamos a vida pura, porque doi muito. Porque somos despidos, invadidos, expostos e frágeis - e precisamos ser fortes e fazer esforços primitivos, esforços para os quais não fomos treinados - condicionados - e que precisamos desentranhar de nossos ossos. Mas é aí, é quando realmente vivemos.
A iminência da morte é um sopro de vida. Aprendi com a Clarice - e com a vida.

domingo, 30 de outubro de 2011

Já é sabido que sempre imprimo uma certa carga de romantismo em tudo, mas eu não acredito naquele velho ditado: "Mente sã e corpo são". Simplesmente não consigo entender como deixar de fora os sentimentos. Por que não: "Mente sã, corpo são e coração são"? ("coraçãoção?"
É, talvez pela horrível sonoridade... "Sentimentos sãos"? ("sentimentoçãos!")
Não. É perfeitamente compreensível.
É só triste que seja vedada aos humanos uma dimensão sentimentalmente poética por causa de uma rima horrível.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A vida humana é reiteração. O homem não vive pela memória da experiência, mas vive para vivificar a memória da experiência. Só que o momento passa - e não foi suficiente. E não é suficiente, porque vem de novo a sede do tato. Não é vontade, é falta, é excesso de espaço. É a dor da impresença da presença conhecida e vivida.
A repetição não é luxo, é necessidade física - chaga intrínseca à carne. É como ter que comer todo dia, ou ter que acordar todo dia, ou viver todo dia. Uma vez - não basta -, e tem que ser de novo e de novo.
E isso é muito válido. E isso é muito bonito, é a poesia mesma.
Isso é amor - o que é o amor senão isso próprio?

domingo, 9 de outubro de 2011

Hoje eu fiz fazer um post lúdico. Farei fazer todos os verbos por "fazer" para fazer a criatividade dos leitores - e também para fazer que o cérebro humano faz capaz de fazer as frases só pelo contexto. Claro que farei fazer as conjugações e estruturas da língua, o que fará fazer a fazer o que farei. 
O problema faz que eu não fiz o que fazer antes de fazer a fazer. E agora faz a minha criatividade que faz fazer feita. Talvez eu faça por aqui mesmo. E faça fazer um suco, que faz bom para as coisas da vida em geral. Acho que fez pro gasto.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A vida é você preso ao seu estado mental atual, que se deve em parte às condições do seu estado físico atual. Mas a quantidade de significações de um mesmo evento! A capacidade de resignificação é uma benção, uma benção e um mal. Porque o sentido de tudo vai se adequando ao seu sentido conforme o seu sentido vai se adequando ao que o momento quer. E se faz o que se faz. O porque não importa, porque esse porque é volúvel. O porque mesmo é maior que isso, o porque mesmo é a somatória. E a somatória não se explica, porque se mostra, por completo. Envolve a silhueta como uma farda translúcida de geleia de. Você não vê, você sente - às vezes um peso, um suspiro mais profundo, um estado de ânimo. São as gotículas de entendimento que o porque que é concreto respinga sobre você, como um espirro ao contrário - aspirado. O resto você não vê e nem sente. Porque o resto é exteriorizado como uma chuva de espinhozinhos do tamanho de microcoisas. Como micro-ondas, que só afetam quem passa tempo o suficiente perto do emissor. É assim. Quem tem esse tempo pra gastar finalmente entende. Quem quer ter esse tempo, o tem pra gastar, porque, no fundo, deseja uma imersão profunda nas micro-ondas. Como uma farpa pontiaguda de chumbo que dispara de paraquedas. E se crava no chão e se suja de chão e vira chão.

sábado, 17 de setembro de 2011

Fiquei orgulhosa de mim mesma porque eu descobri (ou recriei, ou criei) a origem do símbolo do coração. Aquele símbolo vermelho, encorpado, com uma aresta em baixo e duas montanhas em cima.
O símbolo do coração - eu descobri hoje - é, na verdade, o desenho simplificado de um coração humano espelhado. O coração humano (cheio de detalhes indesejados) virou uma metade de coração-símbolo (mais palatável), pense na imagem. Acrescido da metade de lá - pronto! Coração.



Ou pode ser só o delírio de alguém que acredita na história do amor como o encontro de metades. Esse romantismo besta...
Sobre a realidade. Será que a realidade, como realização concreta de um conceito abstrato, existiria se não houvesse ninguém para vê-la?
Deus não existe, porque não há como vê-lo. Assim como a morte não existe, porque não a vemos de dentro. A morte não é verdade (nem Deus). Mas não porque seja mentira; porque - a morte é irreal.
Ou só é real aquilo em que se acredita? Real, seria o que se vê... ou o que se sente?
O real é a eterna disputa entre a solidez do mundo e a fluidez do eu.

domingo, 4 de setembro de 2011

Torradeira de carvão tosta a vida
Besta vida.
Sequência irracional ilógica inconsequenteciente
de quentura insignificada troca pura de calor.

O sinal sonoro indicia o ponto de maturação
a estabilidade, o ponto máximo do desenvolvimento o
auge intransponível
da dor. (do ponto de vista da torrada)

A inevitabilidade:
- Manteiga, chuchu?
- Obrigado, pombinha.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Aqui, tomarei préstimo das palavras do meu querido compadre Riobaldo, que já era um sabe-das-coisas, mais do que se hoje costuma ser:

"Diz-que-direi ao senhor o que nem tanto é sabido: sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na ideia, querendo e ajudando; mas, quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois. Muito falo, sei; caceteio. Mas porém é preciso. Pois então. Então, o senhor me responda: o amor assim pode vir do demo? Poderá?! Pode vir de um-que-não-existe?"

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Nostalgia é a melhor das sensações. Quer dizer que você não se arrepende do passado.
E acertar o passado é o primeiro passo para acertar o presente.

sábado, 27 de agosto de 2011

É tudo muito simples - e como todos complicam demais eu vou explicar o que é a verdade. Carinho: é do que os seres humanos precisam.
A vida é par, essa é a verdade. A unidade mínima é dois de tudo que se tem um e quatro de tudo que se tem dois.
Presença, preenchimento, físicos e mentais.
E esse papo de que amor não existe é a maior balela de todas.

domingo, 21 de agosto de 2011

Uma coisa eu não entendo: essa mania de relacionar maturidade a vida boa. Entenda-se vida boa como vida sem erros. Os lamentos da juventude, das aventuras frustradas, as precauções excessivas para com os mais novos, as broncas, conselhos, proibições. A vida para quem tem cinquenta anos deve começar aos cinquenta anos, quando se tem estabilidade monetária, emocional e, principalmente, maturidade intelectual. Essa é fase da vida em que se faz as escolhas certas.Apesar de tudo isso, querem o corpo de vinte anos atrás.
Eu tenho um corpo de trinta e um anos atrás, tenho a vontade. Não tenho renda, não tenho experiência emocional e intelectual acumulada há mais de quarenta anos. Só que a única maneira de acumular a experiência é tendo-a. A maturidade vem da vivência da própria vida, quer com acertos, quer com erros. 
Erros, eles são tão relativos. 
Além disso esperar trinta e um anos para começar a viver só porque é mais seguro é como congelar o tempo. Esperar para começar a acumular experiência aos cinquenta só atrasa os anos de acúmulo de experiência em trinta e um anos; é começar os cinquenta com corpo de cinquenta e cabeça de vinte - e quem é que quer isso, hein?
A vida só é vida se tiver um desenrolar, se não é limbo. Eu vivo, não nado no lodo.
Com ou sem maturidade-do-que-quer-que-seja, eu sou feliz e não machuco ninguém com isso. E se eu aprendi alguma coisa, que vai ser a base da minha pirâmide de experiência acumulada daqui a cinquenta anos, é que eu não vou dizer a ninguém que essa pessoa é muito nova para sentir isso ou aquilo.

sábado, 13 de agosto de 2011

Ele é grande. Alvo, alto, largo mesmo. Ela é pequenininha, moreninha, delicada e feminina. Tão diferentes e encaixam tão bem. A mão dele engole a dela, a envolve como uma manta. Eu tenho uma altura mediana, acho chato diferença de altura e hierarquização das funções. Me tranquilizou ver as mãos deles assim, ignorando as discrepâncias, se completando pelos opostos - talvez a dupla diferenciação faça ambos os potenciais de incômodo se anularem mutuamente, apesar dessa frase não fazer sentido. Eu não sou tão feminina. Vendo os dois eu lembrei das suas mãos. E de como elas encaixam nas minhas como um imã, e de como não doi ter os meus dedos espaçados pelos seus - como quando doi porque eles são largos demais e fazem alongamento nos da outra pessoa. E de como o meu ombro encaixa na sua axila e de como olhar para você não dá torcicolo. E de como é suavemente compatível. E eu sorri.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

E no fundo tudo é um mar pontilhado de núcleos primitivos de fraqueza. De medos, de dores, de insegurança, cobertos com pilhas de finos mantos de um translúcido permeável, mas psiquicamente impenetrável. E as diferenças visuais, os atributos externos, impregnam a hierarquia dos eus - a discrepante hierarquia dos eus. Mas no fundo é tudo impulso, é tudo desejo irrealizado. Irrealizável. É tudo abismo. 
No fundo, no fundo mesmo, é tudo carne. É tudo igual - é tudo carne, e busca por carne, e refúgio na carne, e perda da carne. O psicológico é um nível transitório, e no final é o físico. E todos são físico, o mesmo físico, a mesma condição impotente. Eu você e ele(a).

sábado, 30 de julho de 2011

Dois corpos quentes, dois corações acalentados, duas vidas fluindo pela limpidez de um etrecruzamento de olhares e fôlegos.
Como alguém pode achar isso errado?
Como alguém tem a coragem de dizer que isso acarreta algum mal?
É inconcebível compreender.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

E se amar alguém for condicionado pela manutenção de uma vida de mentiras? E se, de repente, as ligações podem se fragilizar pela verdade oculta? Antes a verdade não existia, e foi quando tudo começou. Mas as pessoas mudam. Que pena.

terça-feira, 19 de julho de 2011

É estranho que o estranho seja estranho, mas ele continua sendo estranho. E esse é o problema do mundo.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Eu te amo que quando estou com você é como se eu estivesse sozinha. Te amo que não tenho pudor.
Tenho medo mas é bom. Tenho medo mas sei. Saber é bom. Ter vontade de querer saber é melhor. Querer é o inesgotável.
Ter para onde direcionar o pensamento. Sem pensar e o olhar ir para lá, o sorriso ir para lá, o suspiro ir para lá - e ser lá exatamente para onde ele pode ir.
Recíproca. É o medo do desequilíbrio que trava. A oleosidade que é tanta. É fluida como o choro. Fluida e aromática.
Supreender-se pela manutenção, não pela quebra. Surpreender-se, mas com naturalidade.
Uma não-rotina cotidiana. Que. Que pulsa.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O que acontece é que a civilização - substantivo diretamente derivado do verbo civilizar - nos incutiu a crença intrínseca na vida como valor absoluto - em alguns de nós, não posso generalizar. A vida em sociedade nos domou, nos adocicou, nos tornou uns covardes e uns fracos. Fomos criados longe da morte, temos medo da morte, somos frágeis e choramos. Ao mesmo tempo, entretanto, essa chamada civilização instituiu uma lógica mortífera totalmente desligada da funcionalidade, o que a torna horrendamente mais sanguinária que a morte no mundo natural. Na sociedade não se mata para comer, não se mata para sobreviver, se assassina, se destroça, por nada, pelo puro ímpeto lógico de inserção social - ou destaque social - pela marginalidade. Qual é o sentido desse duplo paradoxal que só faz aumentar a distância entre o normal e o anormal?! É a destruição de um contínuo cíclico em prol da inserção de uma lógica extremista de gumes opostos. É por isso que viver é tão difícil, é por isso que somos todos individualistas, que somos todos alienados, todos rudes. Somos todos loucos.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Já dizia o Hemingway de Woody Allen que se reconhece o verdadeiro amor quando, estando com ele, se perde o medo da morte. Eu sempre tive medo da morte, muito medo e, exatamente pelo terrível incômodo que é viver com medo, tentei diversos consolos para me dizer que estava tudo bem. Só conseguia perder totalmente o medo quando eu pensava que eu não morreria sozinha. O que importa - o que realmente importa - não é conseguir escapar de todas as infelicidades, é ter a menor quantidade possível delas, sim, mas estar preparado para quando elas surgirem. E essa preparação envolve nada mais do que encontrar um corpo (corpos) nos quais se apoiar. Porque o contato dá segurança e faz ficar tudo bem. Assim, nessa época eu senti exatamente o que dizia Hemingway (o do filme).
No entanto, algo me impediu de concordar com a frase, agora. Quando me veio à mente aquela reiterada cena de conforto, meu medo triplicou. Eu achei - e agora tenho - eu achei, afinal, as pessoas que preenchem definitivamente os lugares da cena hipotética. Antes havia uma teia de suposições, com alguns lugares (secundários) preenchidos. Mas agora, agora tudo tem um eixo em torno do qual girar. Agora tudo tem um sentido, um objetivo, uma rota. E assim, desse jeito tão seguro, tão certo, tão promissor, dá muito medo. Eu tenho tudo agora e exatamente por isso tenho medo de não ter mais. Por mais reconfortante que seja ter tudo comigo na hora que eu for morrer, como é que eu vou conseguir abandonar tudo? Como eu vou conseguir abandoná-la?
É como aprender o segredo milenar da vida e ter que desaprendê-lo; como poder comer doce todo dia e depois não poder mais; como ser apresentado a músicas maravilhosas e não poder ouvi-las; como ficar cego, surdo, mudo depois de passar anos vendo, ouvindo e cantando. E é assim, e é por isso que eu tenho medo e é por isso que dói. Dói muito. E é por isso que não é leviano.

domingo, 26 de junho de 2011

Ontem eu fui dividida em duas. Foi assim: de repente, por um alcance do limite, meu inconsciente se libertou do meu consciente. Os dois permaneceram dentro do meu corpo, nada dessa história de que eu me vi de fora e etc. Então uma parte de mim morreu de medo. Tremeu, chorou, e precisou urgentemente de uma proteção exterior, alguma compensação externa para a parte faltante que lhe dava segurança. A outra parte de mim sentia que tudo aquilo era irracional e injustificado, e sabia que estava tudo bem. Conversou, ironizou, mas não conseguiu proteger a irmã chorona porque havia agora entre elas uma barreira de força, como a que se forma entre dois ímãs em repulsão. Foi assim até que aquele calor fagocitante, aquela reiteração de compreendimento, aquele ritmo estimulante de vida - esgotaram a tensão, fundiram as irmãs em choque e trouxeram tudo de volta ao que era antes. 
Nenhum evento ocorre, entretanto, sem efeitos colaterais para o futuro dos envolvidos. No caso, o meu magmático fluido interior - antes de se recompor em matéria sólida - fez derreter parte da fonte de calor que o reunira. Assim, com a solidificação, parte dela ficou em mim e parte de mim ficou nela, mas não como em uma mistura de bolo mal batida e seca - alguma reação química inexplicável e nebulosa fez com que as partes de uma e de outra que atravessaram para outra e para uma se tornassem como que esferas flutuantes que ficaram retidas na posterior solidificação corporal de músculos e ossos e etc. Sendo assim o resultado final foi que as minhas partes se juntaram novamente, mas eu ganhei uma esfera dela e ela uma esfera de mim. O que nos torna três em um e que simbolicamente possa significar uma marcação de território (?) e uma dedicação exclusiva dupla... Enfim, nada que já não fosse acontecer por si só com o passar dos anos - que nem deixar um vidro derretendo sobre um molde à temperatura ambiente -, só que apressado.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Vive-se trinta e oito "seis-meses". E vem um "seis-meses" e resolve rebobinar todos os outros até o ponto zero e começar de novo. Mas a gravação é densa, porque são trinta e oito para caber em um, ou seja, onde deveria ter meio tem que caber dezenove e onde deveria ter um quarto tem que caber nove e meio e onde deveria ter um oitavo tem que caber quatro vírgula setenta e cinco e onde deveria ter... e a diferença vai parecendo cada vez mais alarmante, o que deixa esses "seis-meses" cada vez mais apressados. E é assim que todas as fases pelas quais passa o herói da tragédia grega se dão em um único dia. E o indivíduo é surpreendido, conformado, entristecido, enraivecido, decepcionado, comprimido, explodido e aliviado, tudo de uma só vez. E sai de lá como se tivesse saído de baixo de um rolo compressor, mas com a maquiagem feita e o terno passado - como na televisão. E é como na televisão, não parece real, parece uma pegadinha. E aí fim, rodam os créditos. E aí? Aí vai lá, se vira, pega o dinheiro e vai viver sua vida. E aí, de repente, o indivíduo se vê limpo, renovado e purificado, ereto, frente à vida livre, a toda aquela vida livre, a todos aqueles X "seis-meses" ansiando por serem preenchidos mas dessa vez com a proporção de um para um. 

quinta-feira, 9 de junho de 2011

É isso então que é levar uma vida de sinceridade. É isso que é se mostrar por inteiro, se vulnerabilizar assim, a troco do quê. Do que deveria ser o troco por um arroto rouco de angústia, angústia reveladoramente sincera, angústia que serenamente clama por ajuda. E a resposta é densa, não se sustenta e quebra antes de ser absorvida pela epiderme, esparramando cacos pinicantes, singelas milhões-de-mini-marretadas no cocoruto. E a resposta que deveria ser absurda, que deveria doer - não deveria, mas dói -, é aquela resposta que tem que ser entendida como um acolhimento. Porque esse é o ponto máximo concebível do acolhimento. E não vivemos em um mundo em ruínas quando o auge do acolhimento faz cair um por um os corações petrificados dos que sempre terão que mudar.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A vida se faz por um punhado de pulsações de quase-mortes. Ela existe não por um pungente vetor força positivo, mas pela consecutiva e constante resistência e anulação de contra-vetores força que sempre surpreendem (apesar de serem comuns). Uma caminhada na calçada, casual, com propósitos de leviandade elevada. Um andar para frente e bum o choque iminente de um ônibus lotado em alta velocidade que tentou uma ultrapassagem arriscada bem quando outro ônibus ia encostar no ponto e acabou batendo bem naquele ponto da calçada imediatamente distante de você por apenas instante-temporais passo-espaciais. E você fica paralisado e pensa que podia ter morrido, que podia ter tido os miolos esmagados pelo vidro dianteiro os ossos quebrados pelo parachoque sangue por todo lado amigos chorando parentes chorando pai mãe irmãos amor chorando, por causa de um espirro antes de sair de casa ou um farol de pedestre que não se conseguiu atravessar ou uma pausa para matar um mosquito ou a distração causada por uma vitrine de loja. E é irônico que a iminência da morte não é nada, porque a quase morte - a quase morte constante - a quase morte constante não é nada, é cotidiano, é quase. E assusta. Acelera o coração por um... dois... três... ... dez segundos e volta à rotina. É um alerta, mas e daí, a vida continua - graças a deus, a vida continua.
É uma benção, a vida.
Eu sofro e mostro, por mais que não queira - ou tente não querer -, e ela e ele eles não entendem. E nem podem. Só eu posso entender, só eu no mundo - sinto eu.
Só. Só eu.
E o mundo -
e o mundo vive.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Quando vem um enorme ataque de sensibilização - por causa de algum grande acontecimento chocante que se enquadre nas categorias coletivas ou pessoais de classificação como um grande acontecimento chocante - é como se o corpo passasse por um ralador de carne super-dimensionado que tirasse uma das camadas de pele de todo o corpo. E assim, é perdida a maior das membranas de frieza que se recebe da vida para enfrentar o mundo. O mundo muda mais conforme a maior perda de camadas, porque o ser vai se tornando permeável, e o mundo nunca deixou de ser invasivo.
Eu adquiri um mecanismo de radar visual, maior capacidade de reconhecimento tonal auditivo, acuidade gustativa, hipersensibilidade olfativa. E, principalmente - porque a pele vai ficando mais e mais fina -, adquiri uma capacidade sobre-humana quase como aquela que os cegos têm de saber pelo tato. Eu sei, e quero saber pelo tato, e enxergar de olhos fechados a mudança de texturas e alturas e calor e com isso saber a diferença do que deveria ser certo e do que se devia considerar errado. E tatear para casa, só para sentir por contraste a incrível maciez aveludada daquela que eu chamo de minha casa.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Relato (que se propõe desvio) de um sentimento banalizado

É uma tênue rede emaranhada de nós de crueza - da chapada crueza férrea da dor física - e da mais etérea satisfação, que, entretanto, preenche-se de carne e materialidade e palpabilidade - é tão plenamente ingerível!
É a intromissão no nó onde se entrevê a briga íntima entre o querer e o precisar - que não passa de um querer recalcado pela capa arbitrária do cotidiano raso do primitivismo existencial. É uma briga de quereres, que dói pela imposição de que se aceite que aquele - mundano, ultrapassado, tradicional - querer é o que, no fundo, se quer mais. É - vem sendo - o que sempre se quis organicamente mais - mas agora dói, com essa introdução melodiosa e escorregadia desse asfixiante ascendente querer de êxtase.
É frágil, tão frágil. Querer acariciar o brilho da água com um fio de veludo, sem que os dois sequer se sintam, para evitar toda e qualquer possibilidade de retirada de umidade e rigidez.
Cada mínima projeção de interferência - que milimetricamente não passa de um vislumbre de um milésimo de milésimo de segundo - cai como a segredada pós-contemporaneidade bélica.
Absurdo. Cria-se uma relativização da importância da própria vida. Elevação da corporeidade exterior como a máxima e única categoria de vida.
Sublimação. Nu e descomplexificado encontro com a significação - como fazer hemodiálise com o leite materno do lirismo.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Autobiografia

Queijo que derreteu para fora da fôrma e foi se reenformar no vazio da rede pendurada entre dois penhascos. Há uma série de apagamentos na vida, uma sucessão de eternos erros passados até que se calhe de cair no buraco de um acerto presente – que, ironicamente, se tornará (se tornará?) um erro passado, no futuro. A grande questão é saber reconhecer o chão falso do suposto acerto. O grande problema é que eu nunca conhecerei a definição absoluta do que seria uma pisada em falso. Cada pisada, em cada época, tem um sabor diferente, tem uma verdade diferente e uma falsidade diferente. O agora é verdade, apesar de parecer uma invenção maligna e atrativa de um sádico buraco negro. A desgraça está justamente em sua estupefante atratividade. Ele me faz feliz, o tal buraco. E eu sinto que eu nunca havia sido feliz. Mas e se eu fui ludibriada? Antes eu fui ludibriada; agora – quem sabe daqui a alguns anos. Eu quero assim. Eu quero me suspender no ar e fazer ioga no tempo até que se criem prolongamentos infinitos das realizações dos desejos e dos desejos que algum dia serão realizados. Vou pegar a massa compacta e difusa do tempo e estendê-la no varal para que eu possa fisgar os pontos que me agradam – eu vejo todos, desde que existi até quando existirei – e colecionar pequenas esferas de momentos, balas de sensações e vidros de odores. Eu quero viver na externa estratosfera dos meus pensamentos e naquele lugar onde o eu-nem-poderia-imaginar me surpreende e acelera meus batimentos cardíacos até que eu choro. E passo assim, chorando e rindo e lembrando e querendo e vivendo.
Corte no vazio. Pedra que cai e rebate - não mole, quicando como uma bolinha de criança - dura, fétida, mas sem deformar o chão, sem deformar as paredes e a matéria orgânica, como uma esfera bidimensional virtual que bate nas bordas da tela do computador e volta para o centro. Descolamento. Dor de cabeça, palavras ocas. Desejo, anseio do antes e do depois - menos do agora.

domingo, 24 de abril de 2011

É incrível que quando se entra em uma nuvem de auto-definição as certezas vão se ampliando e se expandindo para vários campos da vida e de repente os planos para daqui a dez anos parecem tão realizáveis e imutáveis e tudo vai se resolvendo e se alinhando. Na cabeça, tudo vai se resolvendo e se alinhando. E a energia dispendida com esse suposto alinhamento já é tanta que a inércia impede que se concretize o longo processo de transposição do onírico para o real daquela trama de certezas. Mas mesmo assim é reconfortante ter um ponto de partida de estepe para quando o fôlego puder ser desplugado do recarregador.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A gente foi ao cinema e foi o melhor cinema, porque não teve cinema. Teve café, conversa e amor. Eu perdi um filme, e ganhei a vida.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Intervalo Considerado: 3 meses
Saldo Total: 7 pombas
Discriminação: pés mutilados - 3
                        rosto mutilado - 1
                        vida mutilada - 3
Conclusão: A partir dos dados observados, conclui-se que Deus criou as pombas - criaturas odiosas e repugnantes -, as fez por demais numerosas e deu-as aos milhares aos homens como termômetro de medição e controle de seu nível de sadismo e indiferença, ao mesmo tempo servindo de alarme para os próprios homens e de base para a avaliação da relevância da manutenção da raça humana. Não foram encontrados, dentre as fontes de pesquisa - variados escritos do Criador - manifestações quanto às suas intenções de destruir a humanidade, mas foi encontrada em um manuscrito a seguinte nota (dizendo respeito ao assunto acima referido):
"(...) e pelos resultados computados, não será preciso que eu dispenda muito esforço mental nesta questão".

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O que acontece é que eu mudei semanticamente, mas, porque mantive a mesma estrutura sintática, ninguém foi capaz de repensar meu significado. O problema é que o abismo entre forma e conteúdo está crescendo de dentro para fora e criando uma enorme rachadura invisível na parede do vísivel; uma rachadura tátil, que espatifa pequenos pedaços de matéria interna e gruda-os em lugares aos quais não pertencem. Esses pequenos tumores são benignos, mas, mesmo assim, continuam a ser perturbações incômodas na ordem corpo-cerebral. O antídoto é simples, é abrir a boca, já dizia a crença popular. É um método quase homeopático, em que vale a transformação psicológica e a força de vontade.
Mas é como se eu tivesse uma lâmina afiadíssima e lábios costurados com cabos de aço. Para me livrar da mácula, preciso cortar fora a minha carne, dilacerar minha estrutura, me enfeiar aos olhos do mundo. Cada vez menos eu ligo para os olhos do mundo - que se engulam os olhos do mundo! -, mas às vezes um corpo não mutilado é necessário para se viver.

sábado, 2 de abril de 2011

Ode metonímica metalinguística (em prosa) à sua onipresença

Adoro a sua sinceridade. Metonimicamente, pode-se amar um todo só pelo elogio verdadeiro de suas qualidades. Gosto de seu ritmo, compassado, de gradualidade. Com ele, se ama aos poucos, não se esgota todo o amor em um só elemento, em um único instante - o amor é docemente diluído. Sua capacidade expansiva permite que o amor imenso tenha sempre em que se projetar, por poder projetar-se sobre vários focos - e, ainda assim, a metonímia mantém sua lealdade ao todo único e derivativo. Adoro, sobretudo, a sua onipresença. Amo-a.

domingo, 27 de março de 2011

Dez coisas não necessariamente cults que me fariam uma pessoa mais feliz:

- ter a minha oficina em casa
- ter um jardim no telhado
- ter um quartinho chuvoso
- ter a minha doceria
- aprender a desenhar
- aprender a cantar
- ter tendência a emagrecer
- a existência de uma loja feminina só de camisas
- não ser tão influenciável pelos outros
- mais tolerância e respeito no mundo

A alto grau de futilidade/simplicidade desta lista é paradoxalmente bom, pois indica que as outras áreas da minha vida estão bem resolvidas. Uau.

sábado, 26 de março de 2011

O mundo é um conjunto de virtudes que devem ser cumpridas e suas respectivas negativas de punição. Mas eu nunca entendi a arbitrária atribuição de valor a quem segue corretamente a tabela das consideradas ações do bem. Pensem: quem é mau caráter, odeia praticar boas ações, mas as pratica mesmo assim, é alguém bem visto - claro! "Ora, veja só, mesmo não sendo sua obrigação, ele cuidou da mãe por vários anos quando ela ficou doente!". Mas tem aquelas pessoas que gostam de fazer o bem, que se sentem bem fazendo o bem, se orgulham de ter feito o bem e se vangloriam! de ter feito o bem. Mas isso é pecado - o orgulho. E não só o orgulho exagerado, que torna a pessoa metida perante a sociedade, mesmo o orgulho contido, o orgulho baixinho e pessoal, traz uma atrelada sensação de culpa. No primeiro caso não há esse problema, para seus praticantes a tal boa ação é forçada, é externa, não é motivo de orgulho - por isso são encarados como humildes.
Por que essa enorme carga de auto-controle e falsa modéstia? Por que o culto à extra-humildade forçada? Afinal, é mentira dizer que se faz algo em nível mediano quando se é perito no assunto, não? - os gregos já eram intolerantes à falsa modéstia, por que essa total inversão contemporânea?
O pior de tudo é que eu quase nunca consigo me libertar dessa pressão social.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Ah, não quero escrever hoje, pode ser?
Como não? Eu sei que você tem muitas coisas presas aí dentro querendo ser ditas.
Mas não sei como acioná-las manualmente. Normalmente elas só saem e pronto.
E se você tentar verbalizá-las?
Tenho uma vontade de me engolir e cuspir do avesso, me engolir do avesso e cuspir certo.
O que significa isso?
Tem algo a mais em mim, quero fazer uma lavagem corporal.
Escreva sobre isso, como você sempre faz.
Não quero começar dessa vez, sou sempre eu que começo! Parece que o que eu exponho é sempre uma oferta sem demanda. Quero guardar tudo comigo até eu explodir.
Tudo bem: eu começo. Por favor, diga-me o que você tem, como você se sente. O que está acontecendo? Eu quero muito saber.
Isso pode durar anos. E pode ser enfadonho.
Tudo bem, por favor, diga mesmo assim!
Era isso que eu precisava ouvir; mas não de mim mesmo.

quarta-feira, 23 de março de 2011

A felicidade é um paradoxo.  Quanto mais para o alto se sobe na escala da felicidade, maior é a distância da ordinário, do tedioso - do sacrificador -, mas maiores são os danos do retorno. Quanto mais alto se chega, maior é a adrenalina, mas maior é a vertigem. A queda do topo seria mortal - no mínimo, dolorosa - enquanto a vivência ao rés do chão dói aos poucos, de uma maneira que mais incomoda que mata. A felicidade é um risco: é dual; a felicidade é ingrata. A felicidade dá um medo constante da não-felicidade; é manipuladora e sádica. A felicidade é muito, mas muito prazerosa.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Eu escutei seu coração bater. O corpo e a mente, quietos, serenos, forjadamente indiferentes ao meu acréscimo. Mas esqueceram (?) de desligar o coração. E ele esmurrou, constante, como se fosse me manter ali, como se quisesse me sussurrar no escuro que as aparências eram só convenientes à situação. Ele me dizia: "...a verdade!", ele me dizia que eu mudava tudo e que precisava de mim. E eu sorri, mas ninguém viu - sorri por dentro - e fiquei.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Eu tinha chegado no topo, no auge, no ponto culminante do cume da montanha da mais alta... ou pensei que tinha chegado. Quando me coloquei esta dúvida vi uma pequena e pronunciada estalagmite de terra se estendendo mais para cima daquele ponto que eu achei estar mais acima. Não tive dúvidas, me agarrei nesta ponta de utopia com um ímpeto irracional - e ela bambaleou! Ao me preparar para a queda, ao perceber o vento do vazio, me dobrar ao peso da gravidade, sentir novamente o incômodo e perfurador hálito da familiaridade do abismo - ela se enrijeceu, e ereta ficou, oferecendo-me, sádica e brincalhona, mais uma esperança sólida e promissora de ascensão.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Eu queria fazer planos: agora! nos exatos minutos em que escrevo estas linhas. Eu gosto de fazer planos, me deixam menos ansiosa e me preparam para situações da vida futura. Eu gosto principalmente de senti-los se tornando realidade, como se o papel e os pensamentos intangíveis e impalpáveis se tornassem corpóreos e pulsantes. Me deixa serena ver que tudo pode se desenrolar exatamente como em uma previsão minha. Por isso eu queria fazer planos, para alcançar o futuro, para estragar a minha própria surpresa e adiantar as reações; porque eu preciso ter reações, eu preciso controlar minhas reações.
É também um pouco porque eu tenho medo - eu tenho muito medo - de perder tudo, e fazer planos que considerem uma não-perda me tranquilizam.
Estou naquele momento em que sinto um calor mentolado de felicidade e apreensão.

quarta-feira, 9 de março de 2011

"Epígrafe

Ela entrou com embaraço, tentou sorrir, e perguntou tristemente - se eu a reconhecia?
O aspecto carnavalesco lhe vinha menos do frangalho de fantasia do que do seu ar de extrema penúria. Fez por parecer alegre. Mas o sorriso se lhe transmudou em ricto amargo. E os olhos ficaram baços, como duas poças de água suja... Então, para cortar o soluço que adivinhei subindo de sua garganta, puxei-a para ao pé de mim e, com doçura:
- Tu és a minha esperança de felicidade e cada dia que passa eu te quero mais, com perdida volúpia, com desesperação e angústia..."
Manuel Bandeira

Não sei como passei do simples ato de viver o momento para a epifania transcendental de observar o momento - o meu próprio momento - de um ângulo novo e externo a mim mesmo, como se estivesse em um tempo outro ao tempo que vivia. Foi como um estalo e de repente percebi que lá estava ela. Tão palpável, tão intrinsecamente injetada em minhas hemácias e em meus leucócitos, que eu nem mais me incomodava com - eu nem mais estranhava - a sua presença. Eu havia me acostumado com a felicidade. Como é possível? Como é possível que eu tenha conseguido me apropriar desse estado físico tão raro, tão autônomo e tão intermitente? Parecia mentira, parecia mentira e eu percebi que parecia mentira quando tive aquele revelador instante de separação de mim e mim mesmo. Eu espremi seu corpo entre meus braços, medindo a força do golpe pela saliência das minhas veias. Se era ali que eu havia percebido a felicidade, deveria ser dali - deveria ser daquele corpo - que a felicidade provinha. Eu queria um recipiente, eu queria um continente para conter a extração daquele suco de felicidade, um frasquinho que coubesse no bolso, no qual eu pudesse carregar aquela gosma vítrea para evaporá-la, decantá-la, destilá-la, desvendá-la até a última gota, até a última presença da última substância, e chegar à receita passo-a-passo de como obtê-la e até - quem sabe!- comercializá-la! e assim... mas não achei nada à mão, não queria perdê-la, não queria vê-la escorrer pelo chão, ir pelo ralo até o esgoto. Seria um desperdício! Saí. Impotente e inquieto, saí dali o mais rápido possível, devia haver outro jeito de chegar à fonte da felicidade. Eu queria ir para casa, ir para casa e observar cada olhar de cada pessoa, queria extrair a felicidade de todo o mundo. Caminhei, e pensei em procurar pelos sorrisos - claro, quem está feliz sorri. Tive que me contentar com a visão de uma velha que sorria e depois não sorria mais, sorria e depois não sorria mais; perturbadoramente, a velha arquejava os lábios, arregaçava os lábios, arquejava os lábios, arregaçava os lábios, como se o movimento de sorrir e dessorrir fosse o que gerasse a sua energia vital. Desviei o olhar e fui descansar os olhos em uma pomba de penugem desgastada - sem os dedos! Era uma pomba aleijada, com um pé esmagado e o outro sem dois dedos, pombeando serenamente como se pensasse que não incomodava ninguém. Visão enojante, tive náuseas e, sem ao menos controlar a mudança de direção da minha cabeça, fui atraído por um homem sem pernas que mancava na faixa de pedestres ao parar dos carros na rua engarrafada; e por um homem com a testa saliente - meu deus, uma testa tão grande que não cabe nem no boné! -; e por uma mulher com a coluna torta, tão torta!, e um menino autista falando sozinho e... Era um circo de horrores! Por que tamanha quebra de expectativa, por que ninguém correspondia ao ideal da minha busca? Arrepios! Parei. Vi um executivo, terno passado, gravata perfeitamente combinando com a camisa, cabelo lavado, perfume, maleta de couro, sorriso no rosto... No rosto, sorriso. Felicidade. Não. Felicidade... Não. Felicidade? Não! Não, não! Fácil demais assim, seria fácil demais. Até aqueles infelizes anormais estavam mais perto da felicidade, muito mais perto dela. Claro: eles sorriam por dentro. Sim, ignorando o mundo e suas opiniões, eram felizes em si mesmos. Suas entranhas cantavam para compensar os gritos de seus poros. Naquele homem, o sorriso forçado desafinava para compensar o grito de suas tripas. E eu? E eu... E eu entendi. E eu, em pleno dia de trabalho - feriado, mas por isso mesmo um bom dia para pôr as coisas em dia -, acordara tarde, em roupas gastas, sozinho, com frio, esperando o ônibus depois de passar horas no trânsito para ir até ali - vê-la. Por isso. Era dela a minha felicidade. Toda minha; por causa dela. 

domingo, 6 de março de 2011

Eu sempre tive pena das borboletas. Elas são muito belas e têm a capacidade de voar por perto das flores; mas só vivem um dia. Imagine que elas passam a vida inteira comendo e comendo para poder formar um casulo e, quando finalmente alcançam a liberdade, alcançam também sua sentença de morte.
Outro dia, entretanto, repensei a questão das borboletas. As borboletas, na verdade, têm muita sorte. Imagine que, depois de passar uma vida inteira sem precisar fazer nada além de comer o que quiserem, as lagartas podem tirar um enorme cochilo e ainda recebem a oportunidade de voar livres por um dia inteiro antes de morrer.
É tudo uma questão de ponto de vista, sempre. E pense, quantos seres humanos - que depois de uma vida sofrida de trabalho duro - não gostariam de receber a chance de conhecer o mundo pelos ares, por um dia que fosse, antes de morrer?
É isso, a perspectiva muda tudo.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

E no fundo eu sou tão hipócrita, porque eu escrevo tudo isso só porque fiquei um tempão pensando nisso e para impressionar os meus dois leitores e meio, porque na verdade eu estou tão feliz neste momento que nada disso condiz com o meu estado de alma.
Eu tenho orgulho de não ser normal. De pensar diferente, de ter uma mente criativa e uma inteligência pendendo para o autismo. Mas as pessoas assim nem sempre são felizes. Aliás, o fértil pensamento, a capacidade de abstração social, de observação e análise, frequentemente vêm acompanhadas de grandes períodos de dúvida, surtos, problemas, solidão e depressão. 
Eu rio da pessoas fúteis por me considerar um tipo melhor de pessoa. Mas eu não penso como uma pessoa fútil. E nem sou feliz como uma pessoa fútil. Se eu fosse uma pessoa fútil, bem abastada, que só me preocupasse com o meu corpo estrutural, meu cabelo e meus amores de uma noite só, eu riria de mim (de mim eu que escrevo, o mim de verdade). Eu seria simplesmente feliz e riria dos nerds excluídos como eu. Esse eu fútil, esse estereótipo raso que foi criado para servir de válvula de escape para o meu preconceito e meu desprezo, não pensaria demais na vida, porque não precisaria. Aliás, ele nem saberia pensar demais na vida e criar problemas, porque ao invés disso estaria sendo fútil e feliz.
Então eu me pergunto: por que eu rio dessas pessoas que só buscam a própria felicidade? E eu pergunto isso ainda acreditando que eu estou certa e que preciso ser como eu sou, nem sempre feliz, nem sempre segura, mas só para ter a certeza de conhecer mais, de criar mais, de talvez deixar um legado para o mundo. Eu posso até me suicidar (como a Virginia Woolf, por exemplo), mas serei sensacional! E isso tudo, essa sede por reconhecimento, por uma vida significativa - e acima de tudo esse orgulho por esse sentimento! -, não sei... será inteligência ou estupidez?

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Eu não quero voltar para a terapia. Eu sempre quis fazer terapia, oficializar esse ato de pensar sobre a vida que ocupava tanto tempo dos meus dias. Eu fiz, por um tempo, pouco, mas tive que parar. Na época eu realmente achei interessante, saudável (!). Mas naquela época eu estava perdida, cheia de incertezas e tristezas infundadas. Hoje eu estou feliz. Hoje eu parei de pensar na vida o tempo inteiro. Hoje eu tento evitar a geração espontânea de problemas pelo simples ato de insistir em pensar demais sobre assuntos sortidos. Eu cutucava as coberturas de todos os meus bolos de vida: meu indicador ia bem fundo, como uma bala de canhão, e eu quase sempre chegava ao recheio. Nem sempre fazia sentido, e às vezes me desapontava, mas eu sabia qual era o recheio. Hoje eu lambo as coberturas dos novos bolos, rumino as cerejas e as raspas de chocolate e vivo nessa superfície (larga e infinda). Eu não conheço os recheios e pode ser que eu ache que um bolo com o recheio horrível é bom somente pela cobertura, e cometa o fatal erro de comê-lo. Mas por enquanto as coberturas são todas tão boas! Por que eu não posso simplesmente curtir as coberturas? E se o bolo apodrecer e eu nunca precisar chegar ao recheio?
Por que sempre temos que saber?

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

É estranho. O que é estranho? O que não é estranho?

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Desde que se dava por si, sempre fora uma meninina travessa, de cabelos curtos e grossos que roçavam sua nuca esguia e quebradiça. Brincava à procura de um futuro - embora não o soubesse -, como todos são incitados a fazer desde cedo. As bonecas pronunciavam a sua maternidade; a casinha, a gestão doméstica; o celular de brinquedo, o trabalho. Era assim porque tinha que ser, porque sempre havia sido, com todas as outras crianças do universo, e sempre seria, com todas as outras crianças do universo. Foi encorpando, mas a falta insinuada em seu corpo para que sempre houvesse a busca pela superação, a busca pela inserção inquestionável de seu indivíduo na cooperativa social, crescia com ela. Crescia por crescer, e, crescendo, foi moldando aquela anjinha em uma fôrma de valores pré-determinados de uma infelicidade constante e uma sensação de falsa felicidade superficial.
Com isso, a garota ia sendo levada - pelo quê? - pelo tempo, pela correria, pela vida - vida?. Ia se acomodando ao que estava próximo, achando que no futuro, se trabalhasse duro, poderia ter o que queria. Mas não sabia o que queria. Não sabia ao que devia se acomodar, e nem que tipo de mudança deveria ser feita no futuro. Só sabia que estava razoável agora, mas que devia ser melhor.
Um dia nasceu diferente, contudo. A menina acordou daltônica, sua visão estava embaçada e não conseguia bem distinguir o mundo que sempre conhecera. Seus conhecidos lhe eram estranhos, sua vida parecia agora estar sendo vista de fora - e, vista desse ângulo, tornava-se alheia, tola. Olhava para os cantos inexplorados como se tentasse sugar a identificação. E achou. Achou um lugar diferente, um lugar que não era erroneamente colorido, que tinha a configuração certa e era tão definido no meio dos borrões! Foi até lá e pediu a transformação, queria fazer parte dali. Descobriu, entretanto, que não precisava de transformação, que era àquele lugar que sempre havia pertencido, mas sua visão correta não lhe havia permitido enxergar. Nesse dia, a menina olhou para os lados e compreendeu que não havia mais a necessidade do conformismo forçado e do inconformismo involuntário; compreendeu que o futuro poderia não ser um passo a frente. Compreendeu que ali estava o futuro, e se sentiu bem. Compreendeu que, se tivesse que passar o resto da vida com alguma pessoa, que poderia - que deveria! - ser com aquelas pessoas.

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Eu compreendi que eu posso ser uma pessoa feliz se o meu futuro for a simples manutenção do meu presente. Eu finalmente senti que não quero que nada mude, não porque seria difícil, mas porque eu não quero que nada mude. E me sinto muito bem.