Autobiografia
Queijo que derreteu para fora da fôrma e foi se reenformar no vazio da rede pendurada entre dois penhascos. Há uma série de apagamentos na vida, uma sucessão de eternos erros passados até que se calhe de cair no buraco de um acerto presente – que, ironicamente, se tornará (se tornará?) um erro passado, no futuro. A grande questão é saber reconhecer o chão falso do suposto acerto. O grande problema é que eu nunca conhecerei a definição absoluta do que seria uma pisada em falso. Cada pisada, em cada época, tem um sabor diferente, tem uma verdade diferente e uma falsidade diferente. O agora é verdade, apesar de parecer uma invenção maligna e atrativa de um sádico buraco negro. A desgraça está justamente em sua estupefante atratividade. Ele me faz feliz, o tal buraco. E eu sinto que eu nunca havia sido feliz. Mas e se eu fui ludibriada? Antes eu fui ludibriada; agora – quem sabe daqui a alguns anos. Eu quero assim. Eu quero me suspender no ar e fazer ioga no tempo até que se criem prolongamentos infinitos das realizações dos desejos e dos desejos que algum dia serão realizados. Vou pegar a massa compacta e difusa do tempo e estendê-la no varal para que eu possa fisgar os pontos que me agradam – eu vejo todos, desde que existi até quando existirei – e colecionar pequenas esferas de momentos, balas de sensações e vidros de odores. Eu quero viver na externa estratosfera dos meus pensamentos e naquele lugar onde o eu-nem-poderia-imaginar me surpreende e acelera meus batimentos cardíacos até que eu choro. E passo assim, chorando e rindo e lembrando e querendo e vivendo.