segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Eu queria não ser tão suscetível à ação do tempo: falo da maleabilidade psicológica sobre a qual o tempo tem o costume agir sadicamente. Hoje isto, amanhã já não tão isto, e depois, quem sabe, aquilo.
Por que não isto hoje, isto amanhã e isto depois, uma vez que, já tendo-se refletido muito e tendo-se decidido por isto, isto se configura como a melhor das opções? Por que o tempo cria a ilusão de que o aquilo é o melhor, para colocar novamente o embate mental estafante já experimentado? Só por diversão?
Só porque não se pode parar de pensar e, para isso, deve-se ocupar a mente. Invariavelmente, por esvaziar, de maneira proporcional, o coração.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Quero escrever, mas não quero parar de pensar. 
É difícil escrever sobre a felicidade, a felicidade é egoísta. Da tristeza não clamamos a posse; a compartilhamos naturalmente, libertamos nossas angústias tão logo elas nos arrebatam. A felicidade é só nossa. Remoemos a felicidade sorrindo em silêncio. Vivemos a felicidade, não perdemos tempo escrevendo sobre ela: escrever sobre ela é desperdiçar o tempo que temos para usá-la.
De repente me deu vontade de compartilhar a minha felicidade. Só um pouquinho dela e bem rapidinho. Não por altruísmo, por puro e simples exibicionismo.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Ao mesmo tempo eu quero e ao mesmo tempo eu acho que não consigo. Ao mesmo tempo dizem-me que não devo e ao mesmo tempo digo-me que devo ignorar o que dizem. O que dizem foi o que dizia até eu dizer o que digo. Ao enunciá-lo, entretanto, o dito foi engolido pela ação, que foi engolida pelos dizeres.
Como meço a ação frente ao dizer múltiplo e pontiagudo? Como meço a vontade da ação comparada à vontade do dizer comparada à vontade da não-condição por causa de admiração?
É vontade? É verdade? É seguro? É real?
Tenho medo. Tenho medo e nojo. Medo do que talvez eu seja, nojo do que me fazem ser e eu sou. Eu sou ou não sou? Tento não ser por querer não ser ou por não querer ser?
E se eu quiser ser?
Medo, nojo, angústia, dúvida, covardia. Quero poder não ser como se pode ser. Talvez assim eu tivesse coragem.

domingo, 7 de novembro de 2010

Ele levantou, ele pôs o terno, ele preparou o nescafé, ele comeu a torrada do pote, ele entrou no carro importado, ele saiu de casa, ele enfrentou uma hora de trânsito, ele chegou ao escritório, ele trabalhou por quatro horas, ele tomou o cafezinho, ele trabalhou por quatro horas, ele entrou no carro importado, ele enfrentou duas horas de trânsito, ele chegou em casa, ele comeu a torrada do pote, ele tirou o terno e ele deitou. Antes de dormir, pegou um livro, e descobriu que a literatura pode ser enfadonha.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Um pouco de mim em estilo Amélie Poulain:

Eu não gosto de pisar no chão molhado de meia
abrir garrafas de suco e leite
ler as sinopses atrás dos livros
da sensação do domingo à noite
acordar tarde
areia grudada no sabonete no banho pós-praia
que tapem meus olhos e me façam adivinhar quem é
responder ou perguntar na aula
achar azeitonas no salgado
maquiagem
me sentir monetariamente oprimida pela arrogância superior
assistir a filmes dublados
quando as pessoas levantam e não arrumam as cadeiras na mesa

Eu gosto de dormir com barulho de chuva, totalmente no escuro e de bruços
olhar para o nada pensando em outra coisa
deitar no banco de trás do carro e ver o mundo de ponta cabeça
percorrer as estantes de livros e senti-los com as mãos
tirar a rolha do vinho e cheirá-la
falar loucuras como se fossem coisas sérias
sentir o cheiro de doces assando e alho fritando (não simultaneamente)
abraçar bem forte
pisar na grama descalça
deitar no chão
cuidar das minhas plantas
andar de mãos dadas
que cantem ou leiam para mim
tocar com a banda
tentar fazer em casa coisas gostosas que eu comi em um restaurante
sonhar e lembrar do meu sonho
comer cereal no café-da-manhã
gente que fala bastante